Crianças
com deficiência mental: sua inclusão na sociedade
Bárbara Trindade de Carvalho
Resumo: Desde a antiguidade as pessoas
com deficiência mental são segregadas e discriminadas, principalmente as
crianças, que são mais vulneráveis. Nesse contexto faremos uma breve análise
das concepções históricas sobre os deficientes e da sociedade em que estão
inseridos. Ressaltando a importância da família, da escola e da própria
sociedade no desenvolvimento pleno e saudável dessas crianças.
Palavras-chave:
Crianças
deficientes mentais. Concepções históricas. Sociedade. Família. Escola.
Introdução
Este artigo tem por objetivo apresentar a
problemática que circunda as pessoas com deficiências mentais, em especial as
crianças. Para que se compreendam melhor quais são suas necessidades e
direitos, inicialmente devemos reconhecê-los como cidadãos de nossa sociedade.
Os deficientes mentais sempre foram discriminados
historicamente, abandonados pela sociedade que os deixavam à margem por
acreditar que esses fossem incapazes de conviver de maneira harmônica com os
indivíduos ditos normais. Muitas vezes negados por suas próprias famílias, seja
por desinformação e não saberem como lidar com eles, ou por vergonha, achando
que deveriam ser escondidos por apresentarem comportamentos diferentes dos
convencionais.
Em qualquer grupo
social, as crianças sempre são mais vulneráveis, em se tratando de portadores
de deficiência essa realidade pode se tornar ainda mais perversa se essas não
forem amparadas e assistidas de forma adequada. Para tal é necessário que a
família, a sociedade e o governo trabalhem em conjunto para que sejam
proporcionadas as condições adequadas ao desenvolvimento pleno, com o objetivo
de incluir essas pessoas. Nesse contexto a família e a escola se tornam
instrumentos fundamentais para a inserção desse grupo na comunidade a qual
pertencem, possibilitando um atendimento educacional e social para esse grupo.
1- Concepções históricas
Durante
muito tempo, as pessoas adotaram várias concepções, que influenciaram as
atitudes da sociedade em relação à deficiência. Aranha (1991 apud DESSEN, SILVA, 2000) se reporta à
história para descrever como a integração social do deficiente foi associada à
concepção de deficiência. Na sociedade
antiga, as crianças deficientes eram deixadas ao relento para que morressem. Isso
reflete os ideais morais da época em que a eugenia e a perfeição do indivíduo
eram consideradas valores essenciais. De acordo com Pessoti (1984 apud SILVA, DESSEN, 2001) na cidade de
Esparta as crianças que possuíam deficiências mentais ou físicas eram consideradas
sub-humanas, justificando-se assim o seu abandono. Além disso, esta cultura
valorizava o culto ao corpo, seus habitantes eram adeptos dos exercícios
físicos, da formação para a guerra, por isso, acreditavam que aqueles ditos
anormais não seriam capazes de se tornarem bons guerreiros ou no caso das
mulheres não gerariam filhos saudáveis e fortes, sendo assim, esses não seriam “úteis”
e por isso eram deixados ao relento para morrerem.
Durante
a idade média a deficiência era vista como um fenômeno metafísico e espiritual
e a essa eram atribuídos o caráter ou “divino” ou “demoníaco”, devido à
influência da Igreja. Tal concepção era responsável pelo tratamento que a
pessoa receberia. Com o cristianismo os deficientes passaram a ser tidos como sujeitos
portadores de alma, por isso não eram mais abandonados. Mas, os deficientes
mentais eram vistos como sendo filhos da união de uma mulher com o demônio, o
que justificaria o seu destino, mãe e filho eram condenados à morte na
fogueira, em alguns casos a punição poderia ser torturas ou maus tratos.
Com
o advento do capitalismo e todas as mudanças que ocorreram no final do século
XV, a concepção de deficiência passou a ser de um ponto de vista econômico,
onde o portador era tido como improdutivo, como ressalta Aranha (1991 apud SILVA, DESSEN, op.cit.). A partir desse período, ocorreu um grande desenvolvimento
na área de medicina, diante disso, os deficientes começaram a ser vistos como
um problema orgânico e não mais espiritual.
Somente no
século XIX, o governo começa a demonstrar responsabilidade em relação a esse
grupo social. Mas é a partir do século XX que as ações ficaram mais concretas.
Surgem então diversas formas de se conceber a deficiência mental, dentre eles
sobressaem os modelos explicativos: o metafísico, o médico, o educacional, o da
determinação social e, mais recentemente, o sócio-construtivista ou sócio
histórico (ARANHA 1995 apud DESSEN,
SILVA, op.cit.). Essas concepções
contribuíram para o processo de institucionalização, seja em instituições
psiquiátricas ou em escolas especiais.
No Brasil o conceito adotado atualmente pelo
Ministério da Educação o caracteriza pelo:
“funcionamento
intelectual geral significativamente abaixo da média, oriundo do período de desenvolvimento,
concomitante com limitações associadas a duas ou mais áreas da conduta
adaptativa ou da capacidade do indivíduo em responder adequadamente às demandas
da sociedade, nos seguintes aspectos: comunicação, cuidados pessoais,
habilidades sociais, desempenho na família e comunidade, independência na
locomoção, saúde e segurança, desempenho escolar, lazer e trabalho". (MEC,
1997, p.27 apud DESSEN, SILVA, op.cit.)
Este
modelo enfatiza a funcionalidade do sujeito e o aspecto orgânico da deficiência,
o que não deixa de estar coerente com as concepções que prevalecem na nossa
sociedade, as quais refletem os valores estabelecidos pelo sistema vigente,
conforme ressaltado por Aranha (1995 apud
SILVA, DESSEN, op.cit.).
Segundo Silva, Dessen (op.cit.) este conceito serve como ponto de partida para que o
governo brasileiro elabore políticas públicas que visem um atendimento
especializado a essas crianças. Contudo, o próprio governo tem revelado um
atendimento precário às pessoas deficientes, em diversas partes do país, apesar
de ressaltar a importância deste tipo de atendimento desde o início da
infância, devendo perdurar por toda a vida, ou enquanto se fizer necessário. Para
o governo brasileiro, o trabalho precoce com crianças deficientes tem o
objetivo de "... proporcionar à criança, nos seus primeiros anos de vida,
experiências significativas para alcançar pleno desenvolvimento no seu processo
evolutivo". (MEC, 1995, p. 11 apud
SILVA, DESSEN, op.cit.)
2-
O deficiente na sociedade
As
diferentes visões dos deficientes ao longo da história estão diretamente
ligadas aos valores e conceitos que determinada sociedade possuí, portanto
pode-se afirmar que a maneira como os deficientes serão tratados, vistos e como
a comunidade se relacionará com esses vai depender do modo como essa lida com
as diferenças.
A
exclusão social ocorre desde os tempos mais remotos, não só no caso de
deformidades físicas ou mentais. Dependendo do momento histórico e da sociedade
em questão, ocorreu também através da (des)valorização de atributos,
características e comportamentos, como a língua, o credo, a escolha sexual,
onde muitas vezes essas características eram dadas como biologicamente
determinadas. Conforme Marques e Marques (2003) essa tendência vez com que os
portadores de deficiências fossem tratados com “doentes”, pessoas fragilizadas,
que necessitam de assistência, sendo assim, dignas de pena. Os autores nos
mostram que ”a deficiência é entendida como um desvio da normalidade”, por
isso, alguns acreditam ser necessária a adoção de práticas de vigilância e de
isolamento social, tornando-se de grande valia para esses a manutenção de
instituições psiquiátricas e de escola especiais.
Nos dias atuais, começa a vir à tona uma forte
corrente que vem de encontro a tal concepção, esses defendem a inclusão dessas
pessoas na comunidade em que vivem, principalmente as crianças que quando
crescem em ambientes estimulantes , de
interações e relações saudáveis, apresentam um melhor desenvolvimento. Para tal
é extremamente importante a participação de todos, sociedade, escola e
principalmente da família.
2.1-A importância
da família
A família constitui o primeiro universo de relações
sociais da criança e "... representa, talvez, a forma de relação mais
complexa e de ação mais profunda sobre a personalidade humana, dada a enorme
carga emocional das relações entre seus membros". (REY, MARTINEZ, 1989, p.
143, apud SILVA, DESSEN, op.cit.)
Em um primeiro momento, para a família, a notícia de
que seu filho possui algum tipo de
deficiência normalmente é um choque.
Nesse sentido, como destaca as autoras Dessen e
Silva (op.cit.) citando Glidden e Floyd (1997), é comum perceber um abalo na
estrutura da família, onde em alguns casos, sentimentos como raiva, rejeição,
revolta e culpa se confundem. Mas o que podemos observar
é que cada uma apresenta recursos diferentes para enfrentar as dificuldades
com suas crianças deficientes.
A superação desses conflitos é essencial para que o
bebê consiga se desenvolver de
maneira
plena em relação ao seu potencial individual e também em suas relações com
aqueles que o cercam. Nesta fase, é
fundamental o apoio mútuo entre o casal, para que a aceitação e integração da
criança ocorram de modo mais fácil e saudável (CASARIN, 1999) também mencionado
pelas autoras.
Os genitores devem ser os primeiros a mostrar as
crianças, sejam elas deficientes ou não, as normas de convívio social
estabelecidas pela cultura em que estão inseridos e os valores que serão
necessários na sua formação. Inicialmente fornecendo estímulos para que essa
possa compreender e se relacionar melhor com o ambiente do qual faz parte.
O modo como a criança pensa e “usa uma habilidade intelectual depende dos
modelos culturais de competência, enquanto o que ela sente e como atua em
direção às pessoas com as quais possui vínculo depende dos modelos culturais de
relações interpessoais”. (LEVINE, 1989, p. 57, apud SILVA, DESSEN op. cit.).
2.2- A escola e o seu papel na
inclusão
Os médicos foram os primeiros que despertaram para a
necessidade de escolarização dessas crianças que se encontravam “misturadas”
nos hospitais psiquiátricos, sem distinção de idade, principalmente no caso dos
deficientes mentais. Mas a proposta era de uma educação especial, com uma visão
mais clínica do que pedagógica.
De acordo com Glat e Fernandes (2005) a educação de
alunos com necessidades educativas especiais¹ que, originalmente se baseava no modelo
de atendimento segregado, tem se voltado nas últimas duas décadas para a Educação Inclusiva. Esta proposta
ganhou força, sobretudo a partir da segunda metade da década de 90 com a
difusão da Declaração de Salamanca
(UNESCO, 1994, p. 8-9, apud GLAT,
FERNANDES, op. cit.), que entre
outros pontos, propõe que “as crianças e jovens com necessidades educativas
especiais devem ter acesso às escolas regulares, que a elas devem se adequar...”, pois tais escolas “constituem
os meios mais capazes para combater as atitudes discriminatórias, construindo
uma sociedade inclusiva e atingindo a educação para todos...”
Para tal faz-se necessário uma escola que seja
inclusiva, que receba a criança com deficiência mental de modo a permitir que
essa desenvolva suas habilidades não só cognitivas, mas também no que diz respeito
ao relacionamento social, sendo seus profissionais capacitados, principalmente
os professores.
Glat e Fernandes (op. cit.) destacam que a palavra inclusão nos remete a uma
definição mais ampla, indicando uma inserção total e incondicional. Outra
definição comumente utilizada é a da integração, que por sua vez, dá a idéia de
inserção parcial e condicionada às possibilidades de cada pessoa, já que o
pressuposto básico é de que a dificuldade está na criança deficiente, e que
estas podem ser incorporadas no ensino regular sempre que suas características
permitirem. Dito de outra forma, a inclusão exige a transformação da escola,
pois defende a inserção no ensino regular de alunos com quaisquer déficits e
necessidades, cabendo às escolas se adaptarem às necessidades dos alunos, ou
seja, a inclusão acaba por exigir uma ruptura com o modelo tradicional de
ensino (WERNECK, 1997 apud GLAT,
FERNANDES op. cit.).
A escola desempenha outro papel fundamental para o
deficiente mental, como destacam Sônia e Enumo (2004) ao citar Harris (1995,
1999): “a importância dos companheiros de brincadeiras na socialização de
crianças é de fundamental importância e os estudos feitos nas áreas de
Psicologia Social e do Desenvolvimento a têm reforçado”. Essas se identificam
com os grupos e se aceitas tendem a se desenvolver melhor, por outro lado se
forem segregadas a possibilidade de reagirem de forma agressiva aumenta, ou
simplesmente passam a se isolar. A postura dessa instituição será fundamental
para que esses alunos consigam alcançar seus objetivos, tornando-se pessoas
felizes e que se sentem parte integrante da comunidade em que vivem.
Considerações finais
A deficiência mental é um tema extremamente complexo
e ainda é considerado um tabu para muitas pessoas. Embora muito ainda deva ser
dito e modificado, esperamos que com essa breve exposição possamos ajudar no
descortinamento de certas concepções que até os dias atuais vigoram em nossa
sociedade.
Como foi dito, a maneira como enxergamos o Outro,
como lidamos com as diferenças está diretamente ligada à inclusão dos
deficientes mentais ou físicos. Portanto é necessário que nos conscientizemos
de que somos todos diferentes e que isso deve ser respeitado. A comunidade deve
acolher essas crianças de modo a possibilitar o seu desenvolvimento e esse deve
ocorrer de forma saudável e plena, fazendo com que elas se sintam parte integrante
dessa sociedade e não sejam marginalizadas.
A família é responsável por inicializar o processo
de inclusão e socialização, para tal é importante que essa aceite o bebê como
ele é, respeitando seus direitos e fornecendo todos os atendimentos que forem
necessários para o seu crescimento e desenvolvimento pleno.
Por sua vez, a escola deve além de adotar uma
postura que permita a criança deficiente mental ampliar a sua capacidade de se
relacionar socialmente, deve também elaborar práticas pedagógicas que se adequem
às necessidades desses alunos, permitindo um aprendizado o mais satisfatório
possível.
Cabe a todos nós contribuirmos para que os
deficientes mentais não mais sejam segregados e passem a ser vistos como
cidadãos, que possuem direitos e que devem ser respeitados na sua diferença.
Nota:
1- Atualmente
utiliza-se o termo “necessidades especiais” ou “necessidades educativas
especiais”, incluindo todas as crianças avaliadas como apresentando algum tipo
de necessidade educativa especial;
porém, este conceito, apesar de muito abrangente, perde na precisão e pode estar significando a incorporação de um
grande número de crianças, sobre as quais temos grandes dúvidas se teriam,
efetivamente, algum tipo de necessidade especial (Bueno, 1997, p. 41 apud Silva, Dessen 2001).
Referências
Dessen, N. M.;
Silva, N. L. P. Deficiência Mental e
família: uma análise da produção científica, Paidéia, FFCLRP-USP, Ribeirão
Preto, 2000.
Glat, R.;
Fernandes, E. M. Da Educação Segregada à
Educação Inclusiva: uma breve reflexão sobre os paradigmas educacionais no
contexto da educação especial brasileira, In: Revista Inclusão nº 1, São
Paulo, MEC/ SEESP, 2005.
Marques, C. A.;
Marques, L. P. Do universal ao múltiplo:
Os caminhos da Inclusão. In: Souza, V. M. S. S.; Luciana freire E. C.
P.(orgs.) políticas educacionais, práticas escolares e alternativas de inclusão
escolar, Rio de Janeiro: DP&A, 2003. P. 223-239.
Silva, N. L. P.;
Dessen, M. A. Deficiência Mental e
Família: Implicações para o desenvolvimento da Criança, In: Psicologia;
Teoria e Pesquisa, Vol.17, nº 2, p. 133-141, 2001
Sônia, M. W. B.;
Enumo, R. F. Inclusão escolar e
deficiência mental; análise da interação social entre companheiros, 2004
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